BC não deveria votar para definir meta de inflação, diz Galípolo

O diretor de Política Monetária do BC (Banco Central), Gabriel Galípolo, disse que a autoridade monetária não deveria votar para definir a meta de inflação do Brasil. Para ele, a decisão deveria ser feita pelo “poder democraticamente eleito” e o BC tem “autonomia” para perseguir a meta.

Nós recebemos um mandato do poder democraticamente eleito”, disse nesta 4ª feira (24.abr.2024) a investidores e empresários em São Paulo. “Assim como na empresa de vocês, meta não é para se discutir. Meta é para se perseguir. O nosso mandato está determinado pelos representantes do poder democraticamente eleito. Eu sou até talvez de uma posição mais radical aqui de que o BC nem deveria votar, no CMN, a meta de inflação”, completou.

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A meta de inflação é definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) e é responsabilidade do Banco Central atuar para cumprir o objetivo inflacionário. Atualmente, o comitê é formado por 3 votos: 1 do ministro da Fazenda, Fernando Haddad; 1 da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet; e 1 do presidente do BC, Roberto Campos Neto.

Atualmente, a meta é de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5% a 4,5%. O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) registrou taxa anual de 3,93% em março. Analistas do mercado financeiro estimam que fique em 3,73 até o final do ano, segundo o Boletim Focus.

Galípolo participou nesta 4ª feira (24.abr) do evento Upload Summit, promovido pela Upload Ventures, em São Paulo. Ele é um dos cotados para substituir o presidente do BC em 2025, quando encerra o mandato de Campos Neto.

O presidente do BC já disse que a autoridade monetária dá elementos para que o governo decida sobre qual será a meta, mas que a definição cabe ao Poder Executivo.

Galípolo disse que há preocupação entre os agentes financeiros com a meta, uma vez que o patamar é historicamente baixo. “Logo quando eu cheguei tinha um ceticismo grande na viabilidade de alcançar a meta de 3%. Não dentro do Banco Central, mas na interação com o mercado. O mercado trazia como um dos pontos de preocupação”, disse.

Ele afirmou que as incertezas arrefeceram no 2º semestre de 2023, mas que foram retomadas recentemente.

ATIVIDADE ECONÔMICA

Galípolo defende que o Brasil tem vantagens comparativas em relação ao mundo para aproveitar a oportunidade de realocações das cadeias produtivas e se tornar mais importante do ponto de vista econômico no mundo, atraindo investimentos.

“Eu estou otimista sobre o Brasil e não é de agora. Eu já vinha dizendo antes que, mesmo se a situação piorasse globalmente, […] o Brasil, no relativo, ficaria ainda melhor”, disse.

O diretor disse que a demanda das famílias se manterá resiliente, porque a inflação está em trajetória de queda, a taxa básica, a Selic, tem sido reduzida e programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, auxiliam nas contas familiares, assim como a política de reajuste do salário mínimo.

“Tudo isso vem apresentando e vem demonstrando uma resiliência no consumo das famílias e demanda das famílias no mercado”, declarou. Galípolo afirmou que o consumo do governo também contribuirá para a atividade econômica, ainda que efeito menor.

Outro item que contribuirá é o saldo da balança comercial do Brasil, puxado pelo agronegócio. O BC estimaqueda de 1% no PIB do agro em 2024. “Um ano ruim para o setor agro no Brasil são 140 milhões de toneladas de soja”, declarou. “O Brasil em um momento como esse de tensão geopolítica se apresentar como um exportador de petróleo com mais de US$ 350 bilhões em reservas nos coloca numa situação bastante privilegiada comparativamente a alguns de nossos pares”, completou.  

Galípolo declarou ainda que a transição ecológica é um tema de destaque para o Brasil, porque tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. “Diferentemente de outras fontes de energia, que pode colocar num barril, botar num navio e exportar, se você quiser produzir, consumindo energia limpa com baixo carbono, será necessário investir aqui no Brasil e consumir essa energia aqui no Brasil”, disse.  

O diretor do BC declarou que o desafio é fazer com que o crescimento seja harmônico entre oferta e demanda.

JUROS ELEVADOS

Galípolo afirmou que houve uma reprecificação dos ativos depois de mudanças nas perspectivas de cortes nas taxas de juros nos Estados Unidos. “Realmente, há uma adversidade adicional quando você fala de taxa de juros americanas mais elevadas”, disse.

Afirmou que, por causa desse cenário, aqueles países que subiram os juros antes estão sofrendo com a defasagem do corte de juros dos EUA e outras economias emergentes.

Ele disse que fica difícil “competir” ao atrair recursos para o Brasil com o Tesouro norte-americano cobrando juros elevados. “Aquilo tem um poder de atração e valorização do dólar grande”, disse o diretor. Segundo ele, o processo de juros mais altos tem duas características:

  • A pressão de rolagem da dívida dos Estados Unidos vem crescendo depois de um esforço fiscal grande na pandemia de covid-19 aliado ao período de juros mais elevados. “Hoje, por exemplo, a gente está vendo de novo um dia de pouquinho de stress nas Tresuries, parece que bastante relacionado com o leilão [de títulos] que o Tesouro americano vai fazer da ordem de praticamente US$ 70 bilhões”, disse. Ele afirmou que há uma necessidade de rolagem de dívida que amplia a oferta por títulos públicos e pressiona as taxas de juros;
  • Há uma atividade econômica mais resiliente mesmo com juros mais altos e em processo de desinflação.